Uma em cada seis crianças de até 6 anos sofre racismo no Brasil
- Allyson Xavier
- 6 de out.
- 4 min de leitura

No Brasil, uma em cada seis crianças de até 6 anos já foi vítima de racismo. As creches e pré-escolas são os ambientes onde a maioria desses casos ocorre. Esses números vêm do estudo Panorama da Primeira Infância: o impacto do racismo, pesquisa nacional realizada pelo Datafolha a pedido da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal – uma organização da sociedade civil dedicada à causa da primeira infância –, e divulgada nesta segunda-feira (6).
A pesquisa entrevistou 2.206 pessoas, incluindo 822 responsáveis por bebês e crianças de 0 a 6 anos. Os dados foram coletados em abril deste ano, por meio de entrevistas presenciais em locais de grande circulação de pessoas.
Os resultados indicam que 16% dos responsáveis por crianças nessa faixa etária relatam que elas já sofreram discriminação racial. Essa proporção é maior entre responsáveis de pele preta ou parda, alcançando 19%, em comparação com 10% entre aqueles de pele branca.
Ao dividir por idade, 10% dos cuidadores de crianças de até 3 anos afirmam que elas foram vítimas de racismo, enquanto 21% dos responsáveis por crianças de 4 a 6 anos reportam situações semelhantes.
Locais mais comuns de ocorrência
O levantamento aponta que creches e pré-escolas lideram como os espaços onde as crianças vivenciaram discriminação racial: 54% dos cuidadores citam unidades de educação infantil, com 61% dos casos na pré-escola e 38% nas creches.
Outros ambientes incluem espaços públicos, como ruas, praças ou parquinhos (42%); o bairro, comunidade, condomínio ou vizinhança (20%); e a família (16%). Espaços privados, como shoppings, comércios e clubes, foram mencionados por 14%, seguidos por serviços de saúde ou assistenciais (6%) e igrejas, templos ou espaços de culto (3%).
Para Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, a escola representa o principal espaço de socialização infantil, onde as crianças passam boa parte do tempo e que deveria ser um refúgio de proteção.
“É um ambiente social que, por lei, deve ser um dever da sociedade: um local de proteção e desenvolvimento. É crucial combater o racismo desde o berço – na verdade, desde a gravidez, para que a mulher não sofra discriminação nesse período. Com o bebê ou a criança pequena, a urgência é ainda maior para enfrentar o racismo estrutural, evitando que ele ocorra, especialmente nessa fase de pico de desenvolvimento”, afirma ela.
Percepções sobre o racismo contra crianças
Entre os responsáveis ouvidos, 63% percebem o racismo contra bebês e crianças como um tratamento diferenciado a pessoas pretas e pardas devido à cor da pele, tipo de cabelo e outras características físicas. Outros 22% reconhecem a existência do racismo, mas consideram raro que atinja crianças na primeira infância (até 6 anos). Em contrapartida, 10% acreditam que a sociedade brasileira é praticamente livre de racismo, e 5% não se manifestaram sobre o tema.“O primeiro passo para qualquer grande desafio é reconhecer que somos uma sociedade racista e combatê-lo com veemência”, enfatiza Mariana Luz.

Ela defende que as escolas adotem protocolos para lidar com esses episódios, incluindo a formalização de denúncias e a capacitação de todos os profissionais envolvidos. “Cada escola precisa qualificar professores, diretores, supervisores, auxiliares e toda a equipe que lida diariamente com as crianças. Isso deve envolver a gestão, das secretarias municipais e estaduais de Educação ao Ministério da Educação. É preciso um esforço conjunto de todos nessa direção”, completa.
Impactos no desenvolvimento infantil
O racismo sofrido por bebês e crianças afeta seu desenvolvimento, integrando as chamadas experiências adversas na infância – vivências que geram estresse tóxico, prejudicando a saúde física, socioemocional e o crescimento integral, conforme destaca o estudo.
Creches e pré-escolas surgem como os principais espaços para prevenção e proteção contra a discriminação. Para isso, é essencial que a educação infantil tenha profissionais capacitados e materiais adequados para promover a educação das relações étnico-raciais. “É dever de toda a sociedade reconhecer e combater o racismo, promovendo uma educação antirracista desde cedo, como determina a Lei nº 10.639/2003, que garante proteção às crianças na primeira infância contra qualquer forma de discriminação e violência”, conclui o relatório.
A Lei 10.639/2003 obriga a inclusão de conteúdos sobre história e cultura afro-brasileira em todo o currículo escolar, da educação infantil ao ensino médio. No entanto, ela não é plenamente cumprida: uma pesquisa de 2023 revela que sete em cada dez secretarias municipais de Educação realizaram poucas ou nenhuma ação para implementar esse ensino nas escolas.
Mariana Luz reforça a relevância de uma educação antirracista na primeira infância, tanto para proteger crianças negras e indígenas quanto para sensibilizar crianças brancas desde cedo. “Como a primeira infância é a fase de maior desenvolvimento, ela deve ser o ponto de partida para combater o racismo, proteger essas crianças e educar o corpo docente e as crianças brancas, visando erradicar o racismo estrutural.”
Racismo é crime: o que diz a Lei
No Brasil, o racismo é crime, conforme a Lei nº 7.716/1989, que regulamenta a Constituição Federal, tornando-o inafiançável e imprescritível.
A Lei nº 14.532, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2023, agrava a pena para injúria racial, de cor, etnia ou procedência nacional. Agora, ofensas que atinjam o decoro, honra, bens ou vida de alguém podem resultar em reclusão de 2 a 5 anos, com pena dobrada se cometida por duas ou mais pessoas.
Para vítimas de racismo, é recomendável registrar boletim de ocorrência na Polícia Civil, anotando detalhes da situação e citando testemunhas que possam identificar o agressor. Em casos de agressão física, realize exame de corpo de delito imediatamente após a denúncia, sem limpar machucados ou trocar de roupa, pois essas evidências servem como prova.
Com informações da Agência Brasil





















